terça-feira, 1 de setembro de 2015

O Humanismo Integral de Jacques Maritain

Jacques Maritain (1882-1973) foi sem sombra de dúvidas, um dos maiores pensadores do século XX. Filósofo católico, profundamente influenciado por Santo Tomás de Aquino, sua obra se caracteriza notadamente por buscar, não adaptar, mas através da doutrina cristã, encontrar os remédios para os males da modernidade que verificava em sua época.
Uma de suas obras mais relevantes é Humanisme Intégral de 1936, onde propõe um novo modelo de cristandade, apto a enfrentar e santificar os turbulentos tempos marcados por um ideal materialista burguês que perdeu a noção de Deus e que nesse processo perdeu seu próprio sentido. A ideia central do filósofo é de é necessário resgatar a noção de um de homem completo, integral, que não se realiza tão somente através das questões materiais, mas que deve (e necessita) ter como último fim a união com Deus. Dentro desse raciocínio, a sociedade deixa de ser um fim em si próprio, e passa a ser um instrumento para uma perfeita comunhão com o Cristo. Importa destacar que quando a obra era escrita, os regimes totalitários da Alemanha nazista, da Itália fascista e a URSS stalinista estavam em seu apogeu, e a ideia de um Estado fonte e finalidade de toda atividade humana era sedutora como nunca.
O conceito de Humanismo Integral elaborado por Maritain foi plenamente absorvido pela Igreja Católica, que transformou em um dos pilares de sua Doutrina Social.
Alguns trechos selecionados da obra:


Tomado em si mesmo, o mecanismo ideal da economia capitalista não é essencialmente mau e injusto, como acreditava Marx, entretanto a considerar o espírito que usa concretamente desse mecanismo, e que determina suas formas concretas e suas realizações particulares, deve dizer-se que esconde uma desordem radical.
A energia que estimula e entretém essa economia foi progressivamente corrompida por um pecado "capital"; não certamente por um pecado que dá a morte à alma dos indivíduos forçados a viver no seio desse mundo e a utilizar suas engrenagens , mas por um pecado que dá pouco a pouco a morte temporal ao corpo social: o culto do enriquecimento terrestre tornando-se a forma da civilização. O espírito objetivo do capitalismo é um espírito de exaltação das potências ativas e inventivas do homem e das iniciativas do indivíduo, mas é um espírito de ódio da pobreza e de desprezo do pobre; só existe o pobre como instrumento de  uma produção que rende, não como pessoa; o rico ademais só existe de seu lado, como consumidor (para o lucro do dinheiro que serve esta mesma produção), não como pessoa; e a tragédia de um mundo como tal é que, para entreter e desenvolver o monstro de uma economia usurária, será preciso necessariamente tender a transformar todos os homens em consumidores, ou ricos, mas então, se não há mais pobres, ou instrumentos, toda essa economia pára e morre; e morre também, como se vê em nossos dias, se não há suficientes consumidores para fazer trabalhar os instrumentos.
Não podeis transformar o regime social do mundo moderno senão provocando ao mesmo tempo, e principalmente em vós mesmos, uma renovação da vida espiritual e da vida moral penetrando até os fundamentos espirituais e morais da vida humana, renovando as ideias morais que presidem à vida do grupo social como tal e acordando nas profundezas deste um novo impulso...
Não tem por ofício a sociedade política conduzir a pessoa humana à sua perfeição espiritual e à sua plena liberdade de autonomia (isto é, a santidade, a um estado de libertação propriamente divino, porquanto é a vida mesma de Deus que então vive no homem). Entretanto a sociedade política é essencialmente destinada, em razão do próprio fim terrestre que a especifica , ao desenvolvimento de condições de meio que levem de tal sorte a multidão a um grau de vida material, intelectual convinhável ao bem e à paz do todo, que cada pessoa se sinta ajudada positivamente para a conquista progressiva de sua plena vida de pessoa e de sua liberdade espiritual.
A condenação lançada pelo cristão à civilização moderna é mais grave em verdade e mais motivada que a condenação socialista ou comunista, porquanto não é somente a felicidade terrestre da comunidade, é também a vida da alma, o destino espiritual da pessoa, que é ameaçado por esta civilização.
É impossível  - seria contrário à estrutura mental da humanidade, pois toda grande experiência , mesmo efetuada no erro, é orientada pela atração de certo bem, tão mal procurado como se suponha, e descobre por conseguinte regiões novas e novas riquezas a explorar, - é impossível conceber que tenham sido inúteis os sofrimentos e as experiências da era moderna. Procurou esta era, como dissemos, a reabilitação da criatura, procurou-a por maus caminhos, mas devemos reconhecer e salvar a verdade que nela se escondia, cativa.
Jacques Maritain foi ainda bastante influente no desenvolvimento do ideal de Democracia Cristã, e seu pensamento chegou a ter distintos representantes no Brasil como Gustavo Corção e Alceu Amoroso de Lima. Mas isso é outra história.

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