terça-feira, 3 de novembro de 2015

Heráclito Sobral Pinto, o maior advogado da história brasileira

Em um país tão carente de exemplos, de heróis, de pessoas que viveram e atuaram na sociedade com princípios e dignidade, é vital lembrarmos e cultuarmos a memória de homens como Sobral Pinto. Muito se pode contar sobre sua história, e para aqueles que se interessem, eu recomendo fortemente o filme "Sobral - o Homem que não Tinha Preço" de 2013. Tentarei expor algumas das virtudes do homem, ilustrando-as com episódios de sua vida apenas:

Todas as pessoas que conheceram Sobral Pinto são unânimes em afirmar que sua vida foi basicamente alicerçada em sua fé católica - tendo ele sempre regido sua ações pelos princípios da Igreja, e dali tirando a força e a coragem para as batalhas da sua vida profissional. Sobral atendia à missa e comungava diariamente na Igreja mais próxima de sua casa.

Dever
Outro pilar da vida de Sobral foi sua noção clara da importância do dever, sua fé na profissão do advogado, e o que dali emanava: a crença fundamental de que absolutamente todos tem direito a serem defendidos, e que o Estado não poderia atentar contra os direitos e garantias de ninguém.
Um exemplo notório de como ele tinha a noção de dever como um princípio inabalável , foi quando Sobral - católico fervoroso, como se disse - ao ser indicado pela OAB para essa tarefa, aceitou defender Luís Carlos Prestes, líder comunista, que foi preso no levante de 1935 por Getúlio Vargas. Ele justificou a decisão argumentando que: "Quaisquer que sejam as minhas divergências com o comunismo materialista – e elas são profundas -, não me esquecerei nesta investidura que o Conselho da Ordem me impôs, que simbolizo, em face da coletividade brasileira exaltada e alarmada, a defesa".

Excelência
Sua atuação nesse caso, que envolvia ainda outro líder comunista, o alemão Harry Berguer, foi das mais notórias e é estudada até hoje em cursos de Direito . Não encontrando outros meios favoráveis, não teve dúvidas, e para garantir a integridade desses presos políticos, em especial, Berguer, evocou a Lei de Proteção dos Animais numa petição histórica, em favor de tratamento humanitário para prisioneiros.

Caridade
A lista dos clientes de quem não recebia honorários chegou a mais de trezentos nomes. Entre esses, alguns ilustres como Miguel Arraes, Mauro Borges, Francisco Julião, João Pinheiro Neto, entre outros.  Seus familiares e amigos afirmam que ele sempre encarou a advocacia como uma doação de si, como um meio de auxiliar quem mais precisasse, não um mero meio para busca de enriquecimento.

Prudência
Sobral chegou a apoiar a revolução de 1964 em um primeiro momento, por sua posição anticomunista. Mas tão logo foram se manifestando posturas antidemocráticas nesse regime, passou a ser um ardoroso combatente das irregularidades cometidas.
Apesar de sua oposição ao regime militar, era essencialmente conservador, tendo várias diferenças, por exemplo, com a figura de Lula, por acreditar que ele não tinha preparo intelectual para a política.

Hombridade
Certa ocasião, um oficial-general, talvez em virtude de sua defesa tenaz dos presos políticos, teve a infelicidade de chamá-lo “comunista”.  Resposta imediata do mestre:
" - Comunista é a puta que o pariu."
Tom absolutamente fora do padrão de Sobral, sempre educado e polido em suas maneiras. Por isso, não foi preso nem processado, mas ficou comprovado o ditado de que “quem fala o que quer, escuta o que não quer”.
Por essa e por outras, o "Sr. Liberdade", como era chamado, é das personalidades brasileiras mais marcantes do século XX, um homem que viveu e trabalhou com coragem, amor e determinação. Um exemplo de dignidade e honra, e um modelo singular para qualquer um que queira encarar sua profissão como um sacerdócio. Homens assim, não podem e não devem ser esquecidos.





quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Dostoievski: Crime e Utopia


"- Não foi assim que eles puseram a questão - observou Porfíri. 
- É verdade - concordou logo Razumíkhin, atrapalhando-se e exaltando-se, conforme o seu costume. - Olha, Rodka, primeiro escuta, e depois dá a tua opinião. Gostava que o fizesses. Eu, ontem, estava numa ansiedade, à tua espera, tinha-lhes prometido que tu irias... A coisa começou pelo ponto de vista dos socialistas. Já se sabe qual é: o crime é um protesto contra a anormalidade do regime social... isso é só isso, e é escusado procurar-lhe outras causas...Acabou-se! 
- Mentira! - exclamou Porfíri Pietróvitch. Era notório que se entusiasmava, e sorria a cada instante, olhando para Razumíkhin.- Qual mentira! Hei de mostrar-te livros; segundo eles, todos os crimes se devem ao ambiente deletério, e nada mais. Magnífica frase! De onde se deduz, diretamente, que, se a sociedade estivesse normalmente constituída, então acabariam imediatamente todos os crimes, visto que já não haveria contra que protestar e todos passariam instantaneamente a ser inocentes. Quanto à natureza, não a tomam em consideração, puseram-na no olho da rua, não toleram a natureza. Para eles não é a natureza que, desenvolvendo-se de um modo histórico, vivo, até o fim, acabará por transformar-se ela própria numa sociedade normal, mas, pelo contrário, será o sistema social que, brotando de alguma cabeça matemática, procederá em seguida a estruturar toda a humanidade e, num abrir e fechar de olhos, a tornará justa e inocente, mais depressa do que qualquer processo vivo, sem seguir nenhum caminho histórico e natural. Por isso eles sentem instintivamente aversão pela história: nela só se encontra monstruosidade e estupidez; deitam todas as culpas para cima da estupidez. E por isso também não amam o processo "vital" da vida; não querem nada com a "alma viva". A alma viva da vida tem exigências; a alma viva não obedece mecanicamente; a alma viva é suspicaz; a alma viva é retrógrada. E, embora cheire a mortos, eles podem construir com a alma de borracha... que não será viva, nem terá vontade, será uma escrava e não se revoltará... E chegam ao resultado de idealizar um simples amontoado de tijolos, sim, a distribuição de corredores e quartos do falanstério. O falanstério está pronto; mas a vossa natureza ainda não o está para o falanstério; anseia pela vida, o processo vital ainda não terminou, ainda é cedo para a cova. É impossível saltar com a lógica apenas por cima da natureza. A lógica pressupõe três casos, ao passo que há milhões deles. Pois façam tábua rasa desses milhões e reduzam tudo ao simples problema do conforto! Essa é a solução mais fácil do enigma. Duma clareza sedutora, e evita o incômodo de pensar. Porque o essencial é isso: não ter que pensar. Todos os mistérios da vida podem compendiar-se em duas folhas de papel impresso."

(Trecho retirado de Crime e Castigo - livro escrito por Fiodor Dostoievski em 1866)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Nicolas Poussin, mestre do classicismo


"As cores na pintura são como chamarizes que seduzem os olhos, como a beleza dos versos na poesia".

Nicolas Poussin (1594-1665) foi um pintor francês do século XVII - expoente máximo da escola do chamado Classicismo. Seu estilo é profundamente influenciado pelo legado clássico greco-romano e suas figuras humanas parecem ser baseadas, tanto na forma, quanto nas posturas, nas estátuas da Antiguidade. Isso explica tanto a rigidez das cenas,  quanto o heroísmo e a grandiosidade que emanam de suas obras.
Seus temas preferenciais eram paisagens e cenas mitológicas ou bíblicas. Homero, Virgílio, Ovídio e as Escrituras, são as inspirações constantes de sua arte.
Sua obra influenciou muito artistas do século XIX, como David e Ingres, representantes do neoclassicismo, e também Paul Cezanne, que chegou a afirmar: "Imagine Poussin completamente refeito - é isso que quero dizer com clássico".




 Midas e Baco



 O império de Flora


 Hélios e Phaeton com Saturno e as quatro estações.


 O abandono de Moisés



Os pastores da Arcádia

Os Homens Ocos - T.S. Eliot




Os Homens Ocos


"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada


Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;


Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.


II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular


III


Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.


IV


Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.


V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
                    Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
                     A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
                       Porque Teu é o Reino
                       Porque Teu é
                       A vida é
                       Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo

Não com uma explosão, mas com um suspiro.



(tradução de Ivan Junqueira)

T.S. Eliot (1888-1965) foi um dos maiores poetas do século XX. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1948, é um símbolo do modernismo na literatura. Foi ainda, ensaísta, editor, escritor de peças de teatro, crítico literário e social. Uma das melhores obras sobre sua história e influência é "A Era de T.S. Eliot" escrita por Russell Kirk, e publicada no Brasil pela É Realizações. Há ainda uma coletânea da poesia de Eliot lançada recentemente no formato de bolso pela Editora Saraiva.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O Humanismo Integral de Jacques Maritain

Jacques Maritain (1882-1973) foi sem sombra de dúvidas, um dos maiores pensadores do século XX. Filósofo católico, profundamente influenciado por Santo Tomás de Aquino, sua obra se caracteriza notadamente por buscar, não adaptar, mas através da doutrina cristã, encontrar os remédios para os males da modernidade que verificava em sua época.
Uma de suas obras mais relevantes é Humanisme Intégral de 1936, onde propõe um novo modelo de cristandade, apto a enfrentar e santificar os turbulentos tempos marcados por um ideal materialista burguês que perdeu a noção de Deus e que nesse processo perdeu seu próprio sentido. A ideia central do filósofo é de é necessário resgatar a noção de um de homem completo, integral, que não se realiza tão somente através das questões materiais, mas que deve (e necessita) ter como último fim a união com Deus. Dentro desse raciocínio, a sociedade deixa de ser um fim em si próprio, e passa a ser um instrumento para uma perfeita comunhão com o Cristo. Importa destacar que quando a obra era escrita, os regimes totalitários da Alemanha nazista, da Itália fascista e a URSS stalinista estavam em seu apogeu, e a ideia de um Estado fonte e finalidade de toda atividade humana era sedutora como nunca.
O conceito de Humanismo Integral elaborado por Maritain foi plenamente absorvido pela Igreja Católica, que transformou em um dos pilares de sua Doutrina Social.
Alguns trechos selecionados da obra:


Tomado em si mesmo, o mecanismo ideal da economia capitalista não é essencialmente mau e injusto, como acreditava Marx, entretanto a considerar o espírito que usa concretamente desse mecanismo, e que determina suas formas concretas e suas realizações particulares, deve dizer-se que esconde uma desordem radical.
A energia que estimula e entretém essa economia foi progressivamente corrompida por um pecado "capital"; não certamente por um pecado que dá a morte à alma dos indivíduos forçados a viver no seio desse mundo e a utilizar suas engrenagens , mas por um pecado que dá pouco a pouco a morte temporal ao corpo social: o culto do enriquecimento terrestre tornando-se a forma da civilização. O espírito objetivo do capitalismo é um espírito de exaltação das potências ativas e inventivas do homem e das iniciativas do indivíduo, mas é um espírito de ódio da pobreza e de desprezo do pobre; só existe o pobre como instrumento de  uma produção que rende, não como pessoa; o rico ademais só existe de seu lado, como consumidor (para o lucro do dinheiro que serve esta mesma produção), não como pessoa; e a tragédia de um mundo como tal é que, para entreter e desenvolver o monstro de uma economia usurária, será preciso necessariamente tender a transformar todos os homens em consumidores, ou ricos, mas então, se não há mais pobres, ou instrumentos, toda essa economia pára e morre; e morre também, como se vê em nossos dias, se não há suficientes consumidores para fazer trabalhar os instrumentos.
Não podeis transformar o regime social do mundo moderno senão provocando ao mesmo tempo, e principalmente em vós mesmos, uma renovação da vida espiritual e da vida moral penetrando até os fundamentos espirituais e morais da vida humana, renovando as ideias morais que presidem à vida do grupo social como tal e acordando nas profundezas deste um novo impulso...
Não tem por ofício a sociedade política conduzir a pessoa humana à sua perfeição espiritual e à sua plena liberdade de autonomia (isto é, a santidade, a um estado de libertação propriamente divino, porquanto é a vida mesma de Deus que então vive no homem). Entretanto a sociedade política é essencialmente destinada, em razão do próprio fim terrestre que a especifica , ao desenvolvimento de condições de meio que levem de tal sorte a multidão a um grau de vida material, intelectual convinhável ao bem e à paz do todo, que cada pessoa se sinta ajudada positivamente para a conquista progressiva de sua plena vida de pessoa e de sua liberdade espiritual.
A condenação lançada pelo cristão à civilização moderna é mais grave em verdade e mais motivada que a condenação socialista ou comunista, porquanto não é somente a felicidade terrestre da comunidade, é também a vida da alma, o destino espiritual da pessoa, que é ameaçado por esta civilização.
É impossível  - seria contrário à estrutura mental da humanidade, pois toda grande experiência , mesmo efetuada no erro, é orientada pela atração de certo bem, tão mal procurado como se suponha, e descobre por conseguinte regiões novas e novas riquezas a explorar, - é impossível conceber que tenham sido inúteis os sofrimentos e as experiências da era moderna. Procurou esta era, como dissemos, a reabilitação da criatura, procurou-a por maus caminhos, mas devemos reconhecer e salvar a verdade que nela se escondia, cativa.
Jacques Maritain foi ainda bastante influente no desenvolvimento do ideal de Democracia Cristã, e seu pensamento chegou a ter distintos representantes no Brasil como Gustavo Corção e Alceu Amoroso de Lima. Mas isso é outra história.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Sobre espantalhos e conservas


Há algum tempo, os adjetivos conservador e neoliberal  viraram palavrões na pena de muita gente influente, mas de modo especial nos artigos e blogs que representam o lado esquerdo da Força, principalmente nessa época em que o Império Contra-ataca e muitos esperam o retorno do Jedi.

Eu mesmo, por muito tempo usei os termos pejorativamente, e achava que conservadores, afinal de contas, deveriam ser sujeitos muito estúpidos e malvados por não quererem que as coisas mudassem para melhor. Neoliberais, então nem se fala: se comunistas comeriam criancinhas, neoliberais torturariam e comeriam cachorrinhos fofinhos - o que para o homem médio hoje em dia, parece ser bem pior.

Mas... o tempo passa, a leitura e a experiência se acumulam, as ideias assentam, as reflexões tornam-se mais profundas, e acabamos vendo que, para pôr em termos mais simples, fomos babacas e falamos de coisas que não tínhamos a mínima ideia do que se tratava. Foi o meu caso (infelizmente).

Então, compartilhando minha experiência prévia - a quem queira, talvez, xingar com mais propriedade, ou ainda quem sabe (?), rever seus conceitos, recomendo a leitura de alguma coisa de alguns escritores que se debruçaram sobre os temas do conservadorismo e do liberalismo : são estes, Russell Kirk, Edmund Burke, T.S. Eliot (a prosa, não a poesia). F.A. Hayek, Ludwig Von Mises,Michael Oakshott,  J.P. Coutinho, J.O. Meira Penna, Samuel Johnson e Adam Smith. Se mesmo conhecendo o trabalho desses pensadores, você mantiver suas opiniões prévias (o que é possível, visto que a meu ver, o posicionamento político está mais ligado a afinidades e sentimentos, do que à racionalidade estrita na maioria dos casos), ok, podemos concordar em discordar civilizadamente.

Mas ao menos,  ponha em prática os ensinamentos de Sun Tzu na Arte da Guerra - conheça seus inimigos. Porque por exemplo: definitivamente, não, o PSDB não representa a direita - é o 'Partido da Social-Democracia Brasileira' percebe? Gostando, ou não, "traidores do movimento, véio" - como já diria Dado Dolabella sacando sua machadinha(1) - ou não, o fato que a democracia brasileira é uma espécie de 50 tons de vermelho com quase todos os partidos pregando um Estado forte, bastante intervenção na economia, vários benefícios e incentivos visando em tese, reduzir a desigualdade social. Como os projetos todos, não são lá muito diferentes em suas cosmovisões, o que se disputa de verdade é o poder, pura e simplesmente. Não há uma verdadeira dialética de ideias. Os que querem chegar lá, sempre se vendem como progressistas, transformadores e os que já estão estabelecidos, já detém alguma forma de poder, acabam sendo vistos como "conservadores", ainda que defendam basicamente as mesmas ideias do grupo oposto. Nada mais caricato e rasteiro.

Então, antes de sair por aí, apavorando os "conservas", tentar descobrir o que exatamente, o termo representa no ideário político/filosófico, é bem interessante. Pode até ser que você descubra algo que te interesse, ou talvez, que o conservadorismo, a direita, é ainda pior do que você pensava. Dando uma palhinha, eu diria que é a "ideologia que nega as ideologias", ou o "ceticismo político". De qualquer forma, com a busca de informações o debate real sairia enriquecido. Afinal de contas, rebater o argumento de "espantalhos" é sempre mais fácil. E também, inútil.

Sugestão de ensaios/artigos:

http://www.kirkcenter.org/index.php/detail/ten-conservative-principles/
http://www.theimaginativeconservative.org/2014/10/roger-scruton-modern-political-conservatism.html
http://exame.abril.com.br/revista-exame/noticias/nos-os-de-direita

(1) Para quem não lembra: https://www.youtube.com/watch?v=wqKqLOnX_zw

Casamento Moderno: Revolução ou Retrocesso?


Por Dwight Longeneker

Traduzido para o português por Leandro L. L. Rodrigues

Disponível em http://www.theimaginativeconservative.org/2014/02/modern-marriage-revolution-regression-monogamy.html


Os crentes na inevitabilidade do progresso apontam para a revolução sexual e o feminismo como exemplos de "libertação." Finalmente as mulheres estariam livres do trabalho penoso da vida doméstica e  prontas para fazer valer a sua " liberdade reprodutiva". Finalmente, elas seriam livres para embarcar em carreiras significativas e lucrativas e tomar o seu lugar nos corredores do poder com os homens. Certo?

Não é bem assim . Algumas mulheres de sorte que tiveram a oportunidade de ter uma educação de elite  podem até ser livres dessa maneira, mas a realidade para muitas mulheres comuns não é de progresso e de liberdade , mas de formas mais profundas de dominação e escravidão. Refiro-me à ascensão do matriarcado moderno e da poligamia.

Eu vivi na Inglaterra por 25 anos e testemunhei o resultado da liberação sexual e da "liberdade reprodutiva" para as mulheres. A livre disponibilidade da contracepção artificial e o relaxamento do código de moralidade sexual combinado com benefícios financiados pelo governo para mães solteiras produziu uma subclasse de mal -educados, famílias desmotivadas chefiadas por mães solteiras.

A menina inglesa da classe trabalhadora deixa os estudos, por estar grávida com a idade de dezesseis anos. Vive com subsídios estatais - habitação e uma renda para sustentar a si e seu filho. Se ela se casasse acabaria perdendo essa pensão alimentícia. Acaba então tendo o interesse de ter mais filhos para aumentar sua renda . Não faltam homens jovens dispostos a ajudá-la nesta tarefa.

Se suas filhas continuarem nesse mesmo padrão de vida, quando ela tiver trinta e cinco anos já será uma avó. Aos cinquenta anos ela será uma bisavó e as três gerações viverão em estreita proximidade como uma tribo matriarcal moderna.

Em todas as sociedades matriarcais, as mulheres controlam a renda , cuidam da casa, educam as crianças , e sustentam a família. Os homens vagam como caçadores nômades - vivendo de seguro desemprego ou do trabalho informal , gastando seu tempo com esportes ou outros passatempos enquanto as mulheres (cuidadas pelo Estado ) controlam a casa. Os homens vivem ou com a mãe ou com a(s) namorada(s) , muitas vezes em série. Eles não tem nenhum motivo para pensar em casar, ou razão para ambicionar um emprego permanente - não há razão para " pensar mais alto" .

Enquanto isso é de fato, uma característica das classes mais baixas, seria errado dizer que se limita a ela. Através de fatores como a facilidade de se divorciar, a coabitação , e o declínio do casamento, o novo matriarcado também existe no seio das classes média e alta. Aqui também, os homens foram mandados para fora através do divórcio . As mulheres reclamaram a  propriedade, criam os filhos , e os homens foram relegados as opções de viver sozinho ou com uma série de namoradas ou esposas novas. Famílias com enteados e crianças de pais diferentes abundam, quase sempre com as mulheres no comando .

Embora este tipo de matriarcado coloque as mulheres no comando, ela degrada e humilha o homem . O matriarcado moderno não é um avanço . Ele não leva a prosperidade humana , a realização humana , ou qualquer sentido humano de auto-estima . Os homens se ressentem por serem rejeitados pelas mulheres, as mulheres se ressentem de ter que fazer tudo. As crianças são deixadas à própria sorte.

Este matriarcado não é um plano , mas a consequência da ideologia cega de libertação sexual. Não é um progresso, mas um retrocesso a uma estrutura social mais primitiva.

A outra alternativa regressiva que se desenvolve na sociedade ocidental é a poligamia ou poliamor . Haverá uma abundância de argumentos utilitaristas para a poligamia : "Certamente é melhor para uma criança ter duas mamães e dois papais ! Há mais adultos para compartilhar o fardo da paternidade, a renda familiar é maior e há mais amor para espalhar ! "

A lei (uma vez que se aprove casamentos do mesmo sexo ), não será empecilho para conter o "avanço "que a poligamia oferece. No entanto, como o matriarcado , a poligamia é um retrocesso , e não um avanço . A poligamia atrasará os direitos da mulher e abalará sua auto-estima, prendendo-as em um relacionamento com um homem que tem tudo para ser abusivo porque ( quando confrontados com um harém de mulheres grávidas que não podem sustentar a si próprias), ele será o único responsável . A mulher vai se tornar um cidadão de segunda classe, valorizado apenas por sua capacidade de ter filhos, da mesma forma como na sociedade matriarcal, o homem só seria valorizado por permitir que a mulher tenha filhos.

Toda sociedade que se avançou e se desenvolveu plenamente, historicamente, superou as fases do matriarcado e da poligamia . Isso se verifica como necessário para o desenvolvimento,  pois o  matriarcado rebaixa os homens e a poligamia rebaixa as mulheres. Só na monogamia a mulher e o homem são idealmente tratados como iguais .

O verdadeiro avanço para a humanidade não foi apenas a predominância gradual da monogamia , mas o ideal cristão da monogamia . Foi só  através do cristianismo que se exaltou a união do homem e da mulher a tal status elevado. Os antigos romanos ficaram maravilhados com a forma com que maridos e esposas cristãos realmente amavam uns aos outros. Que uma mulher ( que era então considerada pouco mais que um escrava ) fosse tratado com respeito e honra no casamento foi algo revolucionário . Que  o casamento devesse durar por toda a vida ( oferecendo assim segurança e proteção para a mulher ) foi algo inovador . Que o casamento fosse entendido pelos cristãos como carregado de significado teológico tornando-se um sacramento e em uma das maneiras em que a salvação da alma fosse alcançada , foi uma inovação radical no significado desse laço. Esse casamento, que significava a união entre Deus e a humanidade representou um salto espantoso na compreensão social e interior do ser humano.

Agora, vemos essa compreensão cristã do casamento como algo do qual,  precisamos urgentemente nos libertar . Em vez disso, optamos por uma forma mais primitiva e ignorante da vida familiar. Os frutos disso tudo serão observados em uma sociedade influenciada pela atitude do homem frente ao matriarcado e da mulher dentro da poligamia : uma sociedade com baixa auto- estima, falta de objetivos, e baixa realização. Será uma sociedade do dependente crônico , e quando as pessoas estão cronicamente dependentes deve haver sempre um tirano que  possa ser escolhido para governá-los.