segunda-feira, 9 de maio de 2016

Porque sou contrário ao comunismo

Considero muito natural que em um primeiro momento alguém possa estar pensando: por que querer escrever sobre um tema tão batido, ultrapassado e insosso como esse? Ou ainda: "por que você precisa querer se justificar por suas opiniões"? E a resposta é que alguns "mal-entendidos" e preconceitos precisam ser desfeitos. Ser contrário ao comunismo não significa (necessariamente) que você seja um burguês que odeia os pobres, um nazista, um fanboy do Bolsonaro, um entusiasta da tortura ou um calhorda desalmado. Ou pior que isso, o tiozão que escreve com o capslock ligado pedindo o retorno do regime militar. Não. Há razões (e se me permitem dizer, sensatas e legítimas) para essa oposição, que não resvalam em ignorância, egoísmo, comodismo, ganância e aquela infinidade de adjetivos lisonjeiros que todos conhecemos.
De início, preciso reconhecer que as raízes históricas do pensamento comunista partem de uma preocupação com os pobres e oprimidos que é totalmente legítima e louvável. Também, que concordo em parte com o diagnóstico de Marx de que estaríamos em um processo avançado de perda de todos os valores que não possam ser expressos monetariamente na sociedade moderna. Ainda, que algumas observações sobre a natureza e deficiências do capitalismo (processo de globalização, ciclos de crescimento, constantes transformações nos padrões de consumo) me parecem acertadas. Porém, feitas essas observações, devo dizer me oponho veemente a visão de mundo comunista e seus projetos revolucionários. Pois sobre o comunismo, analisando primeiramente o pensamento de Marx, eu considero os fundamentos filosóficos incoerentes e equivocados, os meios propostos para uma mudança totalmente danosos à sociedade que pretende aprimorar, além de comprovadamente sangrentos, e seus objetivos finais, como contrários a própria natureza humana. É correto e desejável buscar o desenvolvimento humano, a melhoria das condições de vida de todas as pessoas, e um mundo mais justo e fraterno. Mas, certamente o comunismo não é a resposta para tais aspirações em minha humilde visão. Eis as razões:


 
1. As explicações dadas pelo comunismo as grandes questões da humanidade, são na melhor das hipóteses, simplórias: nessa visão de mundo, o homem não é nada mais do um macaco que deu certo, que foi capaz de produzir coisas, melhorar suas condições de vida nesse processo, mas que para isso sempre teve que explorar o seu semelhante. Nessa exploração estaria todo o mal. Tudo nessa ideologia é voltado tão somente às condições materiais - a arte, a religião, a moral são apenas instrumentos utilizados para continuar a exploração (superestruturas), carentes de qualquer valor ou significado em si mesmos. É um mundo deveras pobre, vazio de significado, transcendência e beleza.
 
2. O comunismo aparentemente tem uma moral inerente a si mesmo ao considerar errado e injusto a exploração de um ser humano por outro (o que eu concordo totalmente) – mas que no instante seguinte joga pela janela toda noção de moral ou direito fixos, considerando que seriam sempre reflexos de dado momento histórico e sempre utilizados como meio de perpetuação da opressão pelos grupos dominantes. Ora, a partir do que então, de que referência, de que parâmetros, o comunista poderia considerar errado que o burguês continue a explorar o proletário, se não há nenhuma forma de moral ou justiça superior de onde se possa deduzir o que é certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mau? Seria essa conclusão proveniente apenas da observação das sensações físicas, do desconforto, da dor, do cansaço? 
 
3. Há uma visão maniqueísta da realidade: demoniza-se o burguês e se enaltece o proletário, sem condições, “mas”, “senãos” ou “porquês”. O burguês é opressor por sua própria condição, independente de seu caráter, personalidade ou vontade. Não há bom burguês para o comunismo – todos devem ser eliminados enquanto classe. Não se consideram indivíduos, se considera apenas a classe. Para a teoria marxista ser válida e funcionar, nega-se a individualidade e o livre arbítrio do ser humano. O que então o comunismo considera como ‘ser humano’, eu por minha vez, não tenho a mínima ideia. 
 
4. Um desdobramento da ideia anterior é que parte-se da noção de que o indivíduo tem sua visão condicionada pela classe a que pertence. O burguês nunca conseguiria ver as coisas senão como um burguês. Nunca conseguiria entender as reais condições e motivações do proletário. Todas suas ideias de liberdade, cultura, direito seriam produtos de seu modo de produção, dessa “superestrutura ideológica”. Assim, apenas o proletário e seu representante máximo, o comunista seriam capazes de enxergar a realidade como realmente se apresenta e tomar a atitude necessária para sua mudança dessas condições. Não sei vocês, mas todos os simpatizantes do comunismo que eu conheço são bem burgueses, dentro dessa visão dualista de mundo. Mesmo Marx, nunca exerceu qualquer atividade laboral que pudesse qualifica-lo como proletário. Como então o comunista pode adquirir essa visão que perpassa a da classe a qual pertence, e do porquê, ou como outros poderiam repetir tal feito extraordinário, continua sendo um mistério. De qualquer forma, o comunismo se apresenta assim como uma espécie de gnose moderna, quase uma seita que apenas alguns iniciados poderiam atingir a visão verdadeira da realidade, mediante a iniciação em seus quadros.
 
5. O desprezo por instituições basilares da civilização. Conforme o que escrevem Marx e Engels em 1848, no Manifesto do Partido Comunista, a família já havia sido completamente corrompida pelo modo burguês de produção, pois segundo os autores, no seio das relações familiares o afeto teria sido substituído pela busca do lucro. Assim, para os comunistas ortodoxos, a família é uma instituição superada, falida, e ausente de seus ideais de mundo melhor. Fiel a essa visão de mundo, na família segundo a visão comunista também é ressaltado a suposta relação de exploração entre seus membros, e noções como de amor, respeito, carinho em seu âmbito se existiram, já se foram, e pelo jeito, não farão falta no paraíso do proletariado. 
 
6. O socialismo sempre significou controle estatal dos meios de produção. Tendo isso em mente, o economista Ludwig von Mises já refutou teoricamente o socialismo na década de 20 do século passado, demonstrando que se trata de uma impossibilidade prática. Seu argumento era o seguinte: se o governo detém todos os bens de capital (máquinas, ferramentas, instalações etc.) de uma economia, então não haveria um mercado para esses bens. Não havendo mercado para esses bens, não há uma correta formação de preços para eles. Sem preços, os planejadores não têm como estabelecer o valor dessas ferramentas. Consequentemente, não há como uma agência de planejamento central determinar quais são os custos de produção dos bens de consumo mais demandados. Com efeito, não há sequer como determinar quais os bens de consumo mais demandados. É necessário que exista um livre mercado para que haja uma processo de estabelecimento dos preços dos bens de consumo e dos bens de capital. Em uma economia socialista, não há nenhum dos dois. Assim, nas palavras de von Mises, o planejamento econômico socialista é inerentemente irracional.

7. O comunismo nega Deus e qualquer sentido supra-terreno à vida humana. As religiões são algo a ser combatido duramente pelo comunista, por tirarem o ânimo do proletário de rebelar-se contra sua opressão. Nesse contexto, a ideia de um Deus é uma grande farsa, criada para justificar a exploração dos detentores dos meios de produção, mantendo os oprimidos submissos e conformados com sua situação material. Aqui há uma coerência no pensamento marxista que muitos “religiosos” parecem não ter, pois realmente não há como crer em um Deus misericordioso e em sua Divina Providência, e ao mesmo tempo acreditar no conflito de classes como motor da história humana e no materialismo dialético. Simplesmente são pensamentos excludentes, necessariamente opostos.

8. A felicidade é apenas e tão somente ligada às condições matérias e sociais. Nega-se qualquer possibilidade de que uma pessoa em uma situação supostamente de opressão, seja feliz, tenha uma vida plena apesar de sua condição. Por outro lado, a felicidade burguesa seria sempre fruto da desgraça,do sangue e suor do proletário. Dentro dessa visão simplista de ser humano, apenas a partir da satisfação das necessidades materiais se encontraria o sentido para a existência da pessoa. Óbvio que nossa felicidade depende da realização de nossas necessidades vitais, mas mesmo em situações extremas, o ser humano sempre foi capaz de elevar-se das suas misérias e dificuldades, e aspirar a uma vida digna e significativa, senão próspera e confortável. E ainda, há um número significativo de pessoas que a despeito de sua riqueza, levam vidas absolutamente miseráveis e vazias. A resposta não pode estar aqui.
 
9. Além da questão da felicidade, essa importância extrema dada as condições externas gera uma crença absoluta no condicionamento do comportamento humano a esses fatores sociais. Se nega a possibilidade, por exemplo, de que um santo possa viver em uma sociedade corrupta. Pelo marxismo ortodoxo, entende-se que mudando a situação material, os problemas (até hoje inerentes ao ser humano) seriam extintos. Elimina-se a propriedade privada, todos tornam-se iguais e voilá, todas as misérias da humanidade deixam de existir: inveja, cobiça, raiva, violência tudo isso acaba, pois todas essas mazelas eram fruto da situação de exploração. Utilizando-se dessa lógica, ricos nunca poderiam cometer crimes ou serem más pessoas, afinal de contas, não são levados a isso por serem oprimidos... Mas ainda nessa mesma lógica, por outro lado, os ricos são sempre inerentemente maus, pois em razão de sua classe, são sempre opressores dos pobres, sempre... Assim, tudo se justifica, todo o mal se explica pela posição que a pessoa ocupa na sociedade, e pelo fato de que há um desnível nessas posições. Mais simplista do que isso, impossível. É fato que os fatores materiais são relevantes e influentes no desenvolvimento do indivíduo, mas a psique humana é muito mais complexa do que essa visão nos sugere.
 
10. Segundo o comunismo não há uma natureza humana comum exterior às diferenças históricas, sociais e econômicas, e o único fator comum presente em toda a história humana, segundo esse pensamento, é a exploração. As ideias são resultado do modo de produção e de fatores materiais. Assim, não poderia haver igualdade entre pessoas de diferentes classes sociais, entre o burguês e o proletariado. Seria só a partir da extinção das classes, através da vitória final do proletário e que todos os indivíduos estarão basicamente expostos ao mesmo meio de produção e as mesmas condições materiais de desenvolvimento, que as ideias, os valores poderiam ser compartilhados por todos, e além da recém-conquistada igualdade material, poderia existir igualdade nos aspectos morais, culturais, “espirituais” da sociedade. A matéria forma o ‘espírito’ - somente alterando a matéria se atingiria o espírito. Claro que o termo espírito aqui é utilizado analogicamente, pois o pensamento marxista rechaça tal conceito. “Espírito” pode ser tido como o cerne, o caráter do ser. Nesse campo, eu oponho a noção marxista ao que o cristianismo sempre ensinou através dos séculos, pois podemos dizer que efetivamente não há ponto de contato entre esses dois ideais. Para o cristão, independente da classe social, condição econômica ou qualquer fator material, todos os homens partilham de uma essência comum, são todos criados pelo mesmo Deus, expostos aos mesmos males e sofrimentos e necessitando sempre da Graça Divina para sua completude como filhos de Deus. A igualdade é então, algo do qual se parte, algo que já é intrínseco a todos os homens, pois todos são iguais perante Deus – do presidente ao vendedor, da dona de casa a rainha, todos compartilham de uma natureza comum, criada por Deus. O desenvolvimento social e material, certamente pode auxiliar com que cada um possa atingir seu potencial, mas não é condição indispensável para a realização plena do ideal de ser humano, quando se percebe que Deus é a fonte suprema de todo Bem. 
 
11. Por último, mas certamente não menos importante, as mortes. As muitas e muitas mortes que essa ideologia justificou. Quase 100 milhões em menos de 100 anos, para ser um pouco mais exato, desde que começaram as tentativas de implementarem-se sociedades nos moldes dos ditames prescritos por Marx, Lênin, Mao entre outros comunistas eminentes. A relação de vítimas vai desde os ucranianos mortos de forme por Stálin na Golodomor de 1932, aos chineses mortos no “Grande Salto para frente” de Mao; dos cubanos opositores executados nos paredóns, até as guerras civis em países africanos – nenhuma ideologia matou tanta gente, e em tão pouco tempo. A implementação de um regime comunista em um país invariavelmente envolveu o derramamento de uma quantia significativa de sangue. 
E ao meio desse processo, em que surgiam as dificuldades previsíveis de como lidar com uma economia nos modelos propostos desse sistema (item 6), o que ocorreu foi a morte pela fome de milhões de pessoas, crianças, idosos, mulheres e homens. Esses são os resultados práticos da experiência comunista: mortes, mortes e mais mortes
 
 A exceção de Cuba e Coréia do Norte, todos os países que adotaram o socialismo, perceberam sua completa inviabilidade e o abandonaram após certo tempo. Em alguns deles, como a Ucrânia, por exemplo, fazer apologia ao comunismo, tornou-se um crime punível por lei. Para um sistema que se entendia totalmente científico, me parece que o processo de tentativa e erro, próprio do método científico vem dando uma resposta clara à inviabilidade prática da criação de uma sociedade comunista. Quantos milhões mais teriam que morrer, até que finalmente se perceba que esse é um projeto falido?
Como já afirmou certa vez, o filósofo britânico Roger Scruton, o socialismo não DÁ errado, ele já É errado.